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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A OCUPAÇÃO DOS MORROS E A PACIFICAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Com a decisão de realizar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e a confirmação de que os Jogos Olímpicos de 2016 acontecerão no Rio de Janeiro, o Estado passou a considerar prioritário resgatar da criminalidade áreas há muito sobre seu efetivo controle. A rigor, as forças de segurança pública nunca estiveram ausentes das mais importantes favelas do Rio. Em todas essas comunidades havia um destacamento de policiamento ostensivo com policiais militares, responsáveis por manter a ordem naqueles locais. Contudo a realidade é que a maioria de tais postos de serviço foi sendo paulatinamente sitiado pelo tráfico, gerando uma situação em que, em última instância, ou os policiais se abstinham de sair para patrulhar (pelo temor de serem baleados) ou se deixavam cooptar pelo tráfico, passando a desfrutar de propinas etc. Servir em alguns destes postos já implicava num risco de segurança para os policiais, pois os mesmos se expunham perigosamente para chegar e sair do trabalho. Na maioria dos casos, vigorava uma espécie de trégua não escrita, porém houve mesmo locais em que os policiais de tais destacamentos, por contrariarem as diretrizes dos traficantes
donos do local, entrincheiravam-se nas instalações e travavam combates diários contra os criminosos, em situações que só acalmavam quando uma grande operação policial acontecia para limpar a área.

A manutenção de dominação sobre a vida das populações nas favelas é uma das premissas do poder paralelo que o tráfico busca exercer. Os locais carentes são extremamente propícios para o mando do crime, que, sabemos, acostumou-se a substituir o Estado em diversas atividades, inclusive estabelecendo seu próprio Poder de Polícia. Normalmente, os traficantes oferecem dinheiro para remédios, para eventuais reparos domésticos, para enterros, patrocinam atividades de lazer, prestam favores, tudo objetivando angariar a simpatia da população do lugar, a qual, sem vislumbrar outra opção, aceita viver sob seus desígnios e a colaborar com a sua
gestão. O segmento de população que não lhes é simpático, fica tolhido e tem de se submeter às normas daqueles que impõe sua vontade pelo uso de uma violência sem paralelo, exercendo direito de vida e morte sobre todos os que residem na localidade. Ao contrário da Lei do Estado, que não raramente se mostra bastante complacente com seus transgressores, a Lei do Tráfico é rápida, excepcionalmente dura, possui pena de castigo corporal e até pena de morte, sendo normalmente exercida sem reclamação. Todos se submetem pois a discordância manifesta, numa favela ou outra área sob controle do tráfico, é resolvida quase sempre à bala, na mala de um carro roubado, num valão ou no microondas (como são chamados os crematórios clandestinos, improvisados com pneus).

É verdade que mesmo nos locais onde a Lei do Tráfico impera, a polícia, (com maior ou menor grau de dificuldade) sempre incursionou e efetuou prisões; porém, quando os agentes se retiravam, os criminosos voltavam e a situação permanecia basicamente inalterada. Quem ousaria colaborar com a polícia sabendo que, tão logo as forças de segurança se retirassem, os bandidos voltariam? Não se poderia pensar em erradicar o Poder dos criminosos, sem retomar-lhes permanentemente as áreas sob seu domínio. Para atingir verdadeiramente o tráfico é necessário ocupar o espaço geográfico, prender os criminosos e mostrar a grande massa de pessoas de bem que as forças da lei chegaram para ficar.

A ocupação das favelas já vinha sendo tentada ao longo dos últimos dez anos. Infelizmente o espírito "conciliador" do policiamento empregado nessas áreas especiais, fortemente influenciado doutrinariamente pelas ONGs defensoras dos Direitos Humanos, não logrou erradicar o tráfico armado em quaisquer das comunidades onde foi
implantado. Como chegou a ser amplamente noticiado pela mídia, nessas áreas o tráfico assumiu uma postura mais discreta, quase de não-agressão, continuou comercializando drogas no local e agindo de forma violenta, sobretudo fora dos limites dessa própria área.

Sem querer reinventar a roda, independentemente de toda a conversa supostamente embasada academicamente e do velho

papo-furado politicamente correto, qualquer policial experiente sabe que para se lidar com essa situação duas medidas devem obrigatoriamente de andar juntas: a prevenção (onde incluiríamos toda sorte de ações para evitar a delinqüência, programas de saneamento, emprego, saúde pública, educação, lazer etc) e a repressão, esta sim normalmente conduzida pelas forças policiais de forma esporádica. Para uma ocupação funcionar numa área originalmente dominada pelo tráfico de drogas, a primeira medida com a qual os criminosos devem ser contrapostos é o combate, com prisões e um claro sentido de que tal ação representa a assunção daquele território pelo Estado. Uma medida que traduza a idéia de que se está implantando uma voga nova no local, deixando a quem não se enquadrar, apenas as desencorajadoras opções de ir preso ou acabar no necrotério. Desnecessário ressaltar que tais operações policiais, onerosas, não são executadas de forma improvisada. São planejadas com o objetivo de promover prisões, captura de armas, munições, entorpecentes, baseadas numa enorme quantidade de dados de inteligência e que nelas se busca evitar tiroteios ou qualquer reação dos criminosos que promova baixas entre os policiais e a população civil. Para realizá-las, contudo, há de se considerar fatores como as características físicas e topográficas do local a ser ocupado, bem como a limitação do quantitativo de efetivo policial que se pode empregar na atividade de contenção/cerco, na invasão da área e depois, na ocupação propriamente dita.
A ocupação das favelas nos moldes do que vem sendo efetivamente praticado agora pelas Unidades de Policiamento Pacificadoras é realmente algo que já se deveria ter feito há tempos. Isso é medida acertada, porém cujos resultados aparecem a longo prazo. O Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, quando se mudou para o novo aquartelamento no bairro das Laranjeiras iniciou um excepcional programa de ocupação numa favela contígua às suas instalações. O BOPE buscou trazer a população local para perto de si, promovendo inclusive ações de caráter recreativas e cívico-sociais destinada a esse público nas instalações da própria unidade. No caso específico da favela Tavares Bastos, em que pese a participação de diversos setores da sociedade civil no projeto (inclusive de ONGs), jamais se permitiu a coexistência de tráfico no local, o qual nunca deixou de ser reprimido de forma exemplar. Atualmente o trabalho do BOPE junto à comunidade é referência até no exterior; porém os frutos desse trabalho não foram colhidos imediatamente. Hoje há crianças que não conheceram a realidade da cooptação pelos criminosos ou mesmo que jamais viram bandidos circulando ostensivamente armados pelas vielas; porém, leva tempo para convencer as pessoas de que existe um outro caminho. Muito se deve investir em propaganda, divulgando a nova opção de vida sem crime, assim como levando até as pessoas uma visão crua daquilo que é a violência da criminalidade. Outdoors, panfletos, carros de som devem ser empregados para veicular mensagens para a população, bem como cartazes, com as imagens dos criminosos procurados, espalhados por toda área, negando aos bandidos a possibilidade de circularem incógnitos. Trata-se de um processo, e como aprendemos âmbito das ciências sociais, eles nunca se desenvolvem com a celeridade que desejamos..

Nós, brasileiros infelizmente não gostamos de aguardar por resultados demorados e sempre, historicamente, preferimos nos render àquelas notícias de impacto, tipo factóide, autênticos estelionatos intelectuais do tipo dos que anunciavam que iriam vencer a guerra contra o crime com o fuzil novo, com o carro blindado de transporte de valores
modificado, com um único dirigível supostamente super-equipado ou mesmo com a aquisição de um "helicóptero blindado" que há alguns anos rendeu matéria de página inteira num exemplar de domingo num jornal de grande circulação, e que sabemos bem como acabou, em outubro de 2009.

O emprego de novos recursos bélicos ou tecnológicos é importante, mas não deve ser superestimado. Principalmente quando consideramos que muitas dessas aquisições talvez sejam mais influenciadas pelas polpudas comissões pagas pelos vendedores do que propriamente pela adequação dos itens aos requisitos operacionais daqueles que irão empregá-lo

Por força da atuação da ocupação policial em seus antigos redutos, hoje os criminosos vem amargando muitas derrotas e reavaliando sua situação ou agindo por puro reflexo, desencadeiam ações de terrorismo urbano, como metralhar viaturas policiais ou arremessar bombas em locais públicos. Seu objetivo é tentar convencer a população de que antes as coisas no asfalto eram mais tranqüilas da forma em que estavam antes. Em Bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, como Copacabana (em que a população é predominantemente idosa) já presenciamos jovens bandidos em motocicletas, arremessando granadas na via pública. O aumento dos casos de roubos a banco e de roubos a residência também tende a emergir como reflexo da perda de receita dos traficantes de drogas. Com certeza ainda vamos ter muito boa gente argumentando se as coisas não estariam melhores da forma que eram antes e precisaremos não retroagir às respostas imediatistas. Não há omeletes sem quebrar ovos e a nossa sociedade deve estar preparada para enfrentar mais ações violentas da criminalidade e colaborar ativamente com as forças de segurança até que tais grupos possam ser desbaratados por completo.

Imaginemos que, se antes o criminoso contava com a liberdade do homizio no gueto (área que a maioria dos cidadãos não conhecia, onde não podiam ir e onde os homens de bem que lá residiam, temendo por sua segurança, hesitavam em denunciar), agora, fora de seu santuário, o criminoso passa a circular por áreas que são comuns, residir na casa vizinha, visitar parentes no nosso bairro e tudo isso pode ser percebido por cidadãos observadores, atentos e denunciado de forma discreta à polícia.

Adoção de unidades de policiamento especialmente formadas para operar no seio das áreas anteriormente dominadas pelo tráfico e integradas por novos profissionais é importante para mudar a imagem que aquelas pessoas têm da polícia. A população precisa ser instada a colaborar com as forças de segurança e nesse contexto, não há como não louvar a idéia de valorizar a formação humanista desses policiais e fazer com que eles enxerguem aquela população como
seus clientes. Particularmente sempre me insurgi contra a idéia de alguns dos nossos, de que todo mundo nessas áreas conflagradas seria inimigo (ou potencialmente adverso) e que os policiais seriam "algozes" ou "predadores". Essa visão, claramente fundamentada na raiva de quem vê os civis como cúmplices daqueles que naquela localidade intentam contra a vida dos agentes da Lei, já tinha de ter mudado faz tempo, até para lograrmos outros sucessos ao estilo da Tavares Bastos. Contudo, nutro sérias reservas quanto aos profissionais formados em meio da cantilena desses Policiólogos e das ONGs de Direitos Humanos. Não posso esquecer que sob essa influência os currículos de formação dos policiais civis foi reformulado e, pelo menos até dois anos atrás, os futuros investigadores de polícia pelo menos até dois anos atrás, tinham mais horas/aula de disciplinas relativas aos "Direitos Humanos" (Direitos Humanos em geral, Direitos Humanos voltados para o trato com a mulher e Direitos Humanos dos Homossexuais) do quinvestigação policial propriamente dita!

Depois vamos ficar cobrando capacidade investigativa à Polícia ou criticando os profissionais quando lhes falta o conhecimento de tática nas confrontações com bandidos fortemente armados. Dessas aberrações ninguém fala! Alguns dos cérebros por trás de tais medidas, ainda hoje gastam um bom dinheiro em verbas públicas, ministrando cursos superiores e de pós-graduação em que conciliam seus conceitos particulares de cidadania e direitos humanos com práticas policiais que conhecem apenas de livros, dos jornais ou de ouvir falar.

É preciso que os novos policiais não assumam suas funções acreditando que a atuação na favela pacificada seja
um mamãozinho. Eles obrigatoriamente devem conciliar as atividades de relações públicas com perspectiva de que podem ser envolvidos pelo combate a qualquer momento. Não devem descuidar da sua própria segurança uma vez que podem, no mínimo, apanhar como aconteceu com jovens e inexperientes soldados na ocupação da Cidade de Deus.

Esperamos que eles tenham sido esclarecidos do papel de disseminadores e controladores de pequenos círculos de inteligência na comunidade em que atuam. Que aproveitem a possibilidade de se aproximarem da população, de difundirem ativamente uma nova imagem de polícia, sem perder de vista a idéia de recrutar seus informantes e retro-alimentar uma estrutura de inteligência que perdure mesmo depois de sua saída de lá.

Infelizmente esses policiais recém-formados, que em sua maioria não viram as coisas quentes, podem ser vitimados mais facilmente por bandidos que, como sabemos, contam com boa consultoria. O quê esses jovens militares (que não operam fuzis ou carabinas) são instruídos para fazer caso se deparem com outro grupo de militares fortemente armados circulando na sua área de policiamento? Há regras norteando a operação nesses locais? Senhas? Contra-senhas? Alguém, naqueles briefings matinais (que os líderes mais confiantes insistem em abolir) tem de dizer para a tropa que a melhor maneira de desacreditar o policiamento no local junto à população é promover uma boa chacina, supostamente perpetrada por PMs! Explicar que os criminosos (que tem um enorme suprimento de fardas, coletes e que vezes sem conta já clonaram viaturas policiais) bem podem chegar a essas conclusões e – como normalmente ninguém espera – lograr sucesso em sua ação!

Os policiais devem entender a necessidade de trabalharem com inteligência e mais foco nos riscos de seu trabalho. Assim como a quase totalidade dos profissionais de segurança, eu nunca vi ninguém das Organizações Não-Governamentais (como aquela famosa por defender o desarmamento do cidadão honesto e que bancava a rede NEXTEL do tráfico da Rocinha) dar declarações pranteando os agentes de autoridade mortos em serviço. Parafraseando Winston Churchill, a "Sociedade" só lembra de Deus e dos soldados na hora do perigo; depois rapidamente os esquece! A ocupação permanente das áreas hoje sob controle do tráfico é um curso de ação adequado, a fim de melhorar a condição de segurança no Rio de Janeiro. Contudo, muita coisa ainda deve acontecer até que possamos desfrutar de uma segurança
real que exceda à simples sensação ilusória. Não há soluções mágicas que funcionem enquanto a nossa sociedade se mostrar complacente para com o vício e insistir em proporcionar ao tráfico de drogas a liqüidez que torna o seu negócio sujo tão atrativo.



VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, CPP,
o autor, é consultor em segurança certificado pela American Society for Industrial Security (www.asisonline.org) , integra a segurança orgânica da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e é Diretor regional da ABSEG (WWW.abseg.com.br) no Rio de Janeiro. E-mail: vdcsecurity@hotmail.com

Em tempo.: O presente texto foi escrito em meados de novembro de 2009. Hoje, quase um ano depois, é possível acrescentar outros fatores à análise:
  1. O processo de implantação das UPPs – extremamente benéfico aos olhos da sociedade e aprovado inclusive pelos moradores das antigas áreas dominadas pelo tráfico – foi claramente acelerado pela perspectiva de obtenção de votos. O eleitorado, que não conhece a logística do processo cobra "ocupações para ontem" e a polícia as vem fazendo independentemente de não contar com efetivos suficientes para provir o seu recompletamento normal e aplica-los ao novo policiamento. A dura realidade é que a polícia militar, que vem implementando um enorme esforço para formação de novos policiais, tem um déficit de pessoal e precisa de mais tempo para recrutar, selecionar e bem treinar seus efetivos. No mundo real não se pode adotar soluções mágicas como o
  2. Confirma-se a estimativa de que, na medida que lhes atacamos as áreas sob seu controle, os traficantes convergem para o asfalto perpetrando ações puntuais e de
  3. As ações do estilo
  4. A grande diferença entre o processo de pacificação carioca e o processo colombiano é que, lá, os bandidos eram levantados por unidades de inteligência militar/policial e providencialmente, antes da chegada das forças de ocupação do Estado, eram providencialmente mortos por supostas facções rivais ou forças paramilitares adversas. No Rio de Janeiro nós estamos permitindo que os bandidos saiam (muitas vezes com seu poderio bélico intocado) para outras favelas da capital ou áreas interiores do Estado. Os efeitos da migração de criminosos fortemente armados para o interior já pode ser claramente sentida em locais como a Baixada Fluminense, Petrópolis, Teresópolis e na Região dos Lagos. No interior, a chegada de um bandido da capital vai modificar radicalmente o perfil da criminalidade local. Não precisará ser um expoente da criminalidade; qualquer um com tênis e roupas caras, montado no ouro, com um fuzil ou submetralhadora, vai acabar criando uma "nova voga" no local. Se considerarmos que, no interior, não há cultura prevencionista de segurança (pois, se as pessoas não convivem com o crime, não se acostumam a preveni-lo) e vão se constituir em alvos muito mais fáceis do que as pessoas nos grandes centros. Da mesma forma, nesses locais a estrutura repressiva dos agentes de autoridade do Estado não está capacitada para lidar com bandidos perigosos, com um
Exército de Clones da saga de filmes sci-fi Guerra nas Estrelas. modus operandi terrorista. Tais ações visam semear insegurança e temor no seio da população (de forma a forçar um questionamento "se antes não estaríamos melhor") e não tem, ao contrário do que se alegou, cunho de compensar perdas financeiras. Roubar carteiras e pertences pessoais em breves bloqueios de tráfego não é investimento de rentabilidade suficiente para compensar o fechamento de bocas de fumo! toca-e-foge perpetradas pela criminalidade em elevados, túneis e nas proximidades de postos policiais é de difícil repressão, e a solução mais adequada por certo não é manter helicópteros permanentemente em vôo (queimando centenas de litros de querosene por hora) sobretudo pelo fato de que é a criminalidade que escolhe onde e quando agir. Mais sensato me parece aumentar o efetivo de policiamento em motos... modus-operandi mais ousado. Acredito piamente que permitir o deslocamento desses criminosos vai permitir um upgrade na criminalidade de diversos locais anteriormente tidos como pacíficos e tranqüilos e vai se constituir em algo tão danoso para a segurança pública em geral quanto a decisão, tomada nos idos dos anos 60, de colocar presos políticos e presos comuns juntos, nas penitenciárias.
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