Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA
E
CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei da
Câmara nº 39,
de 2014, do Deputado Arnaldo Faria de
Sá, que dispõe
sobre o Estatuto Geral das Guardas
Municipais.
RELATORA: Senadora GLEISI
HOFFMANN
I – RELATÓRIO
Submete-se à apreciação desta Comissão
o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 39, de 2014, de
autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que dispõe sobre o Estatuto Geral
das Guardas Municipais.
O Projeto, em boa parte oriundo da
proposta elaborada no III Congresso Nacional de Guardas
Municipais, realizado em Curitiba/PR, em 17 de setembro de 1992, pretende
instituir normas gerais para as guardas municipais, que já se fazem presentes
em inúmeros municípios brasileiros, com papel essencial e destacado na
segurança pública urbana e na proteção municipal preventiva. Apoiado
por manifesto emitido em maio de 2014 pela Conferência Nacional das
Guardas Municipais, o projeto tem por objetivo, conforme seu art. 1º,
regulamentar o §8º do art. 144 da Constituição Federal (CF), segundo o
qual os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
O art. 2º prevê que as guardas
municipais têm por incumbência a proteção municipal preventiva. Possuem
natureza civil, mas uniformizadas e armadas, embora permaneçam as
restrições contidas na Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida
como "Estatuto do Desarmamento".
O art. 3º enumera os princípios de
atuação das guardas municipais, fundados na proteção dos direitos humanos
fundamentais, exercício da cidadania e das liberdades plenas, além de
assinalar, entre outros compromissos relevantes, o foco na evolução social
da comunidade.
O art. 4º do projeto reafirma a
destinação das guardas municipais que é prevista no art. 144, §8º, da CF,
definindo como competência geral a proteção dos bens do município, seus
serviços e instalações, abrangendo os de uso comum, os de uso especial e
os dominiais.
Em seu art. 5º o projeto especifica
detalhadamente aquelas atribuições gerais, destacando-se a presença e a
vigilância para prevenir, inibir e coibir infrações penais e atos
infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações
municipais; a colaboração de forma integrada com os órgãos de segurança
pública em ações conjuntas que contribuam com a paz social; a proteção ao
patrimônio ecológico, histórico e cultural, arquitetônico e ambiental do
Município; a cooperação com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;
a interação com a sociedade civil para discussão e solução de problemas e
projetos locais voltados para a segurança das comunidades; o
estabelecimento de parcerias com
órgãos estaduais e da União, ou com Municípios vizinhos, para o
desenvolvimento de ações preventivas integradas; o auxílio na segurança de
grandes eventos e de dignitários; e a atuação na segurança escolar.
O art. 6º prevê que as guardas
municipais poderão ser criadas por
lei municipal e serão subordinadas aos
prefeitos.
O art. 7º dispõe sobre o efetivo
máximo das guardas municipais, de acordo com a população do Município, e o
art. 8º prevê que municípios limítrofes podem compartilhar suas guardas
municipais mediante consórcio público.
Os art. 9º e 10 estruturam as guardas
municipais em carreira única, formadas por servidores públicos com plano
de cargos e salários, conforme dispuser a lei municipal, e relacionam os
requisitos básicos para investidura no cargo de guarda municipal, entre os
quais a exigência do nível médio de escolaridade, além de outros que
poderão ser estabelecidos por lei municipal.
O art. 11 trata da capacitação
específica para o exercício das atribuições de guarda municipal, exigindo
matriz curricular compatível com essas atividades, que poderá ser adaptada
da matriz nacional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
Para atender a essa exigência, o art. 12 faculta aos Municípios a criação
de órgão de formação, treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da
guarda municipal.
Os art. 13 e 14 integram o capítulo do
projeto que trata do Controle, determinando que o funcionamento da guarda
municipal deverá ser acompanhado por órgão de controle
interno (via corregedoria) e externo (via ouvidoria), prevendo ainda que lei
municipal tratará do código de ética para as guardas municipais, vedando a
aplicação de regulamento disciplinar militar - alinhando-se, portanto, com
o art. 19, que veda a hierarquização militar das guardas municipais.
Os arts. 15 a 18 cuidam das
prerrogativas referentes ao provimento de cargos em comissão (inclusive o
de diretor), percentual mínimo de ocupação de cargos por mulheres,
progressão funcional, reforça a autorização de porte de arma conforme previsto em lei, cria
linha telefônica direta (153) e frequências de rádio específica, e assegura ao
guarda municipal o recolhimento em cela isolada na hipótese de prisão - antes
de condenação definitiva.
O art. 20 reconhece a representatividade
das guardas municipais no Conselho Nacional de Segurança Pública, no
Conselho Nacional das Guardas Municipais e no Conselho Nacional de
Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública.
Finalmente, os arts. 21 a 23 trazem
disposições diversas como a padronização dos equipamentos e do uniforme, o
prazo de dois anos para adaptação das guardas municipais existentes a esta
nova lei, a possibilidade de que a guarda municipal possa adotar
denominação distinta e consagrada pelo uso, e a cláusula de vigência
imediata.
Não foram apresentadas emendas no
prazo regimental.
II – ANÁLISE
De acordo com o art. 101, I, do
Regimento Interno do Senado Federal (RISF), compete à Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) opinar sobre a
constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe
forem submetidas por despacho da Presidência. Além disso, conforme o art.
101, II, c, do RISF, também compete à CCJ emitir parecer, quanto ao
mérito, sobre as matérias de competência da União, entre elas, segurança
pública.
De imediato, observo que não foi
encontrada nenhuma inconstitucionalidade formal ou material no projeto. A
Constituição Federal prevê que a União estabelecerá normas gerais sobre
proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico (art. 24, VII e § 1º, da CF) e que a lei disciplinará a
organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança
pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades (art. 144, § 7º, da CF). Ademais, o §8º do
mesmo art. 144 da CF determina que os Municípios poderão constituir guardas
municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.
O projeto observa a juridicidade, por
atender aos requisitos de adequação da via eleita, generalidade,
abstração, coercitividade, inovação e concordância com os princípios
gerais do Direito, e obedece ao Regimento Interno do Senado Federal.
Quanto ao mérito, o projeto é oportuno
e conveniente, por regulamentar em nível nacional as guardas municipais,
padronizando seus princípios, atribuições, criação, exigências para
investidura no cargo, capacitação, controle interno e externo,
prerrogativas, vedações e representatividade.
Os institutos de pesquisa mais
renomados tem demonstrado que a segurança pública está entre as primeiras
preocupações da população brasileira.
E não foi por outra razão que o
legislador constituinte admitiu uma atividade de polícia a partir das
guardas municipais, resumindo, nesse modelo, uma atividade de segurança
comunitária - inclusive para apoio aos órgãos policiais estaduais e federais,
quando for o caso.
Em muitos países as guardas municipais
são importante alternativa para somar ao sistema de segurança pública, a
exemplo dos Estados Unidos, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, França e
Países Baixos. Essa solução se adapta muito bem ao caso brasileiro, por se
tratar de um regime federativo, onde o poder de polícia é distribuído
pelas três esferas de Poder: a União, os Estados e os Municípios. Aliás,
dados do IBGE apontam que a guarda municipal já está
presente em mais da metade dos
municípios com população superior a 100 mil habitantes.
A diversidade de guardas municipais
traz desafios que, enfim, estão sendo enfrentados pela proposição em
apreço. As inúmeras leis municipais que criaram as diversificadas corporações
de guardas pelos municípios brasileiros não conferem uma identidade mínima
nacional a estes profissionais, mas sim uma identidade própria para cada
Município, o que por vezes pode até afrontar o texto constitucional pela
distinção de funcionamento entre as instituições. É importante, portanto,
estabelecer em legislação federal um conjunto de características gerais e
funções que sejam próprias de todas as Guardas Municipais do país.
Uma das formas de construir e
consolidar a identidade e a padronização das instituições passa
necessariamente pela formação, capacitação e treinamento destes
profissionais, tema este que restou delineado pelo presente projeto, na
medida em que prevê a adaptação da matriz curricular nacional para
formação em segurança pública elaborada pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública do Ministério da Justiça. Mais do que isso, a proposição admite
que os Municípios possam criar órgão próprio de formação, treinamento e
aperfeiçoamento dos integrantes da guarda municipal ou, alternativamente,
possam firmar convênios ou
consorciar-se visando ao atendimento da necessária capacitação específica
para a atividade - neste particular, a proposição abre espaço para que o
Estado possa manter órgão de formação e aperfeiçoamento centralizado para
atendimento aos respectivos Municípios mediante convênio. Seguramente, um
dos principais avanços da proposição corresponde ao reconhecimento do
poder de polícia das guardas municipais, ampliando-se o conceito anterior
de uma guarda municipal meramente patrimonial para um novo paradigma,
focado também na preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição
das perdas, patrulhamento preventivo, proteção sistêmica da população,
entre outros. O novo conceito, definitivamente, ampara e dá segurança
jurídica à atividade policial das guardas municipais, permitindo-lhes maior
contribuição para a redução e prevenção da criminalidade e da violência. Outro
avanço significativo que merece destaque no projeto ora em apreciação por
esta CCJ é a fixação de um limite quantitativo para o efetivo a ser criado
para as guardas municipais, que deverá obedecer ao percentual definido por
esta lei geral em comparação ao número total de habitantes do respectivo
Município, admitindo-se que Municípios limítrofes possam compartilhar
reciprocamente os serviços da guarda municipal mediante consórcio público.
Obediente aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e
eficiência, a regra geral determina os requisitos básicos para investidura
no cargo público, e cria, ainda, um capítulo próprio para o controle interno
e externo com órgãos permanentes, autônomos e com atribuições específicas
de fiscalização, investigação e auditoria, tanto para apurar eventuais infrações
disciplinares atribuídas aos integrantes desse quadro de pessoal, como para
receber, examinar e encaminhar reclamações, sugestões, elogios e denúncias
acerca da conduta de dirigentes e integrantes da guarda municipal. Cumpre
registrar, ainda, que a proposição tem o cuidado especial de assegurar aos
integrantes da carreira de guarda municipal um direito típico dos agentes
policiais do sistema de segurança pública vigente, qual seja, a garantia de recolhimento
em cela isolada nos casos de prisão - antes de condenação definitiva -,
protegendo-se, desta forma, a integridade física e a vida desses profissionais,
de forma preventiva, pois são vistos como inimigos pelos criminosos.
a) será criada uma identidade nacional para as guardas
municipais;
b) a estruturação em carreira única com progressão funcional e
a ocupação de cargos em comissão somente por integrantes dessa
carreira, motivando os guardas municipais a desempenharem um trabalho cada
vez melhor;
c) as guardas municipais serão
valorizadas, tendo existência própria, permanente e subordinação direta ao
chefe do Poder Executivo local;
d) as guardas municipais terão poder de
polícia, reconhecendo-se a importância de seu papel na proteção à vida e
ao patrimônio.
III – VOTO
Em face do exposto, manifestamo-nos
pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 39, de 2014.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relatora
SENADORA GLEISI HOFFMANN