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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Uma apreciação das UPPs

Com a decisão de realizar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e a confirmação de que os Jogos Olímpicos de 2016 acontecerão no Rio de Janeiro, o Estado passou a considerar prioritário resgatar da criminalidade áreas há muito sobre seu efetivo controle. A rigor, as forças de segurança pública nunca estiveram ausentes das mais importantes favelas do Rio. Em todas essas comunidades havia um destacamento de policiamento ostensivo com policiais militares, responsáveis por manter a ordem naqueles locais. Contudo a realidade é que a maioria de tais postos de serviço foi sendo paulatinamente sitiado pelo tráfico, gerando uma situação em que, em última instância, ou os policiais se abstinham de sair para patrulhar (pelo temor de serem baleados) ou se deixavam cooptar pelo tráfico, passando a desfrutar de propinas etc. Na maioria dos casos, vigorava uma espécie de trégua não escrita, porém houve mesmo locais em que os policiais de tais  destacamentos, por contrariarem as diretrizes dos traficantes donos do local, entrincheiravam-se nas instalações e travavam combates diários contra os criminosos, em situações que só acalmavam quando uma grande operação policial acontecia para limpar a área.

A manutenção de dominação sobre a vida das populações nas favelas é uma das premissas do poder paralelo que o tráfico busca exercer, e nisso ele pouco se diferencia das guerrilhas. Os locais carentes são extremamente propícios para o mando do crime, que, sabemos, acostumou-se a substituir o Estado em diversas atividades, inclusive estabelecendo seu próprio Poder de Polícia. O segmento de população que não lhes é simpático, fica tolhido e tem de se submeter às normas daqueles que impõe sua vontade pelo uso de uma violência sem paralelo, exercendo direito de vida e morte sobre todos os que residem na localidade. Ao contrário da Lei do Estado, que não raramente se mostra bastante complacente com seus transgressores, a Lei do Tráfico é rápida, excepcionalmente dura, possui pena de castigo corporal e até pena de morte, sendo normalmente exercida sem reclamação. Todos se submetem pois a discordância manifesta, numa favela ou outra área sob controle da criminalidade, é resolvida quase sempre à bala, na mala de um carro roubado, num valão ou no microondas (como são chamados os crematórios clandestinos, improvisados com pneus).

É verdade que mesmo nos locais onde a Lei do Tráfico impera, a polícia, (com maior ou menor grau de dificuldade) sempre incursionou e efetuou prisões; porém, quando os agentes se retiravam, os criminosos voltavam e a situação permanecia basicamente inalterada. Quem ousaria colaborar com a polícia sabendo que, tão logo as forças de segurança se retirassem, os bandidos voltariam? Não se poderia pensar em erradicar o Poder dos criminosos, sem retomar-lhes permanentemente as áreas sob seu domínio. Para atingir verdadeiramente o tráfico é necessário ocupar o espaço geográfico, prender os criminosos e mostrar a grande massa de pessoas de bem que as forças da lei chegaram para ficar.
      
A ocupação das favelas já vinha sendo tentada ao longo dos últimos dez anos. Infelizmente o espírito "conciliador" do policiamento empregado nessas áreas especiais, fortemente influenciado doutrinariamente pelas ONGs defensoras dos Direitos Humanos, não logrou erradicar o tráfico armado em quaisquer das comunidades onde foi implantado. Como chegou a ser amplamente noticiado pela mídia, nessas áreas o tráfico assumiu uma postura mais discreta, quase de não-agressão, continuou comercializando drogas no local e agindo de forma violenta, sobretudo fora dos limites dessa própria área.

Sem querer reinventar a roda, independentemente de toda a conversa supostamente embasada academicamente e do velho papo-furado politicamente correto, qualquer policial experiente sabe que para se lidar com essa situação duas medidas devem obrigatoriamente de andar juntas: a prevenção (onde incluiríamos toda sorte de ações para evitar a delinqüência e melhorar a qualidade de vida da população) e a repressão, esta sim normalmente conduzida pelas forças policiais de forma esporádica. Para uma ocupação funcionar numa área originalmente dominada pelo tráfico de drogas, a primeira medida com a qual os criminosos devem ser contrapostos é o combate, com prisões e um claro sentido de que tal ação representa a assunção daquele território pelo Estado. Uma medida que traduza a idéia de que se está implantando uma voga nova no local, deixando a quem não se enquadrar apenas as desencorajadoras opções de ir preso ou acabar no necrotério. Embora isso não seja o que abertamente se conte nas numerosas visitas guiadas às comunidades de Medelin, na Colômbia as áreas pacificadas e retomadas ao narcotráfico invariavelmente se estabeleceram sobre uma quantidade incontável de cadáveres de criminosos; e a sociedade tacitamente aprovou tais métodos em função dos resultados positivos que hoje são orgulhosamente exibidos a todos os estrangeiros que conhecem aqueles locais.

Desnecessário ressaltar que tais operações policiais são extremamente onerosas e não podem ser executadas de forma improvisada. Devem ser planejadas com o objetivo de promover prisões, captura de armas, munições e entorpecentes; baseadas numa enorme quantidade de dados de inteligência, com a premissa de evitar tiroteios ou qualquer reação dos criminosos que promova baixas entre os policiais e a população civil. Para realizá-las há de se considerar fatores como as características físicas e topográficas do local a ser ocupado, bem como a limitação do quantitativo de efetivo policial que se pode empregar na atividade de contenção/cerco, na invasão da área e depois, na ocupação propriamente dita. Considerando a extensão e a densidade populacional de certas favelas cariocas, vê-se que tal tarefa não é nada fácil.

 As Unidades de Policiamento Pacificadoras surgiram como uma efetiva resposta do Estado contra o domínio territorial dos traficantes. A ocupação das favelas nos moldes do que vem sendo efetivamente praticado agora pelas UPPs é realmente algo que já se deveria ter feito há tempos. Segundo esse modelo, o policiamento é apenas a “ponta-de-lança” para que o Estado assuma seu compromisso junto aquela comunidade carente. Envolve concomitantemente urbanização, saneamento básico, educação, saúde, emprego e lazer.  Isso é medida acertada, porém cujos resultados aparecem a longo prazo.

O Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, quando se mudou para o novo aquartelamento no bairro das Laranjeiras iniciou um excepcional programa de ocupação numa favela contígua às suas instalações. O BOPE buscou trazer a população local para perto de si, promovendo inclusive ações de caráter recreativas e cívico-sociais destinada a esse público nas instalações da própria unidade. No caso específico da favela Tavares Bastos, em que pese a participação de diversos setores da sociedade civil no projeto (inclusive de ONGs), jamais se permitiu a coexistência de tráfico no local, o qual nunca deixou de ser reprimido de forma exemplar. Atualmente o trabalho do BOPE junto à comunidade é referência até no exterior; porém os frutos desse trabalho não foram colhidos imediatamente. Hoje há crianças que não conheceram a realidade da cooptação pelos criminosos ou mesmo que jamais viram bandidos circulando ostensivamente armados pelas vielas; porém, leva tempo para convencer as pessoas de que existe um outro caminho. Muito se deve investir em propaganda, divulgando a nova opção de vida sem crime, assim como levando até as pessoas uma visão crua daquilo que é a violência da criminalidade. Outdoors, panfletos, carros de som devem ser empregados para veicular mensagens para a população, bem como cartazes, com as imagens dos criminosos procurados, espalhados por toda área, negando aos bandidos a possibilidade de circularem incógnitos.  Trata-se de um processo, e como aprendemos âmbito das ciências sociais, eles nunca se desenvolvem com a celeridade que desejamos.. 
 
Nós, brasileiros infelizmente não gostamos de aguardar por resultados demorados e sempre, historicamente, preferimos nos render àquelas notícias de impacto, tipo factóide, autênticos estelionatos intelectuais do tipo dos que anunciavam que iriam vencer a guerra contra o crime com o fuzil novo, com o carro blindado de transporte de valores modificado, com um único dirigível supostamente super-equipado ou mesmo com a aquisição de um "helicóptero blindado" que há alguns anos rendeu matéria de página inteira num exemplar de domingo num jornal de grande circulação, e que sabemos bem como acabou tragicamente, em outubro de 2009. O emprego de novos recursos bélicos ou tecnológicos é importante, mas não deve ser superestimado. Principalmente quando consideramos que muitas dessas aquisições talvez sejam mais influenciadas pelas polpudas comissões pagas pelos vendedores do que propriamente pela adequação dos itens aos requisitos operacionais daqueles que irão empregá-los.

As UPPs, extremamente benéficas aos olhos da sociedade e aprovadas inclusive pelos moradores das antigas áreas dominadas pelo tráfico, representaram um inestimável bônus político, que concorreu diretamente para a reeleição do governo estadual no Rio de Janeiro. A própria presidente eleita, enquanto ainda candidata, disse que a sua política de segurança pública seria a espalhar UPPs pelo país. Uma vez que a idéia dá votos, não podemos negar que o clamor por mais ocupações cresce (inclusive no seio dos políticos); o eleitorado, que não conhece a logística do processo, cobra “ocupações para ontem” e a polícia as vem implementando como pode, independentemente de não contar com efetivos suficientes para provir o seu recompletamento normal e para aplicá-los ao novo policiamento. Há quantitativo insuficiente de efetivos em diversos batalhões, os quais são responsáveis pelo patrulhamento em áreas igualmente importantes da capital e interior. No Rio de Janeiro, a dura realidade é que a Polícia Militar, que vem pondo em prática um enorme esforço para formação de novos policiais, tem um déficit de pessoal e precisa de mais tempo para recrutar, selecionar e bem treinar seus efetivos. No mundo real não se pode adotar soluções mágicas como lançar mão de um Exército de Clones como o da saga de filmes sci-fi Guerra nas Estrelas.

Por força da atuação da ocupação policial em seus antigos redutos, hoje os criminosos vem amargando muitas derrotas e reavaliando sua situação ou agindo por puro reflexo, desencadeiam ações de “terrorismo urbano”, como a execução de “arrastões”, metralhar viaturas policiais, incendiar carros ou arremessar granadas e coquetéis molotov em locais públicos. As ações do estilo toca-e-foge perpetradas pela criminalidade em elevados, túneis e nas proximidades de postos policiais é de difícil repressão sobretudo pelo fato de que é a criminalidade que escolhe onde e quando agir. Seu objetivo maior não é o de compensar perdas financeiras, mas sim o de tentar convencer a população de que antes as coisas no asfalto eram mais tranqüilas da forma em que estavam antes. Roubar carteiras e pertences pessoais em breves bloqueios de tráfego não é investimento de rentabilidade suficiente para compensar o fechamento de bocas de fumo e quando lemos diariamente a seção de cartas dos leitores dos jornais do Rio, percebemos que há muita gente se perguntando se o preço pago por essa intranqüilização no asfalto está valendo à pena...

Recentemente o Presidente Lula observou o caráter “sem conflito” das novas ocupações policiais (na verdade, com pouco ou nenhum enfrentamento de parte dos bandidos) como sendo um “grande negócio”. Eu não me permito compartilhar o mesmo otimismo do Presidente, por saber que o poder, no âmbito do crime, não costuma mudar de mãos sem conflitos. No Rio de Janeiro nós estamos permitindo que os bandidos saiam (muitas vezes com seu poderio bélico intocado) para outras favelas da capital ou áreas interiores do Estado. Os efeitos da migração de criminosos, experientes, violentos e fortemente armados para o interior já pode ser claramente sentida em locais como a Baixada Fluminense, Petrópolis, Teresópolis e na Região dos Lagos. No interior, a chegada de um bandido da capital vai modificar radicalmente o perfil da criminalidade local. Não precisará ser um expoente da criminalidade; qualquer um com tênis e roupas caras, ostentando jóias de ouro, com um fuzil ou submetralhadora, vai acabar se tornando “O CARA”, e vai mudar o perfil da criminalidade naquele local. Se considerarmos que, no interior, não há cultura prevencionista de segurança (pois, se as pessoas não convivem com o crime, não se acostumam a preveni-lo), todos vão se constituir em alvos muito mais fáceis do que as pessoas nos grandes centros, de alguma forma acostumadas à crônica delitiva. Da mesma forma, nesses locais mais pacatos, a estrutura repressiva da polícia não está capacitada para lidar com bandidos perigosos, bem armados e com um modus-operandi mais ousado. Queira Deus que eu esteja errado em minha análise, porém acredito piamente que permitir o deslocamento desses criminosos vai permitir um upgrade na criminalidade de diversos locais anteriormente tidos como pacíficos e tranqüilos e vai se constituir em algo tão danoso para a segurança pública em geral quanto a decisão, tomada nos idos dos anos 60, de colocar presos políticos e presos comuns juntos, nas penitenciárias. Num médio prazo, a perda de território, prestígio e receitas pode até promover uma unificação dos Comandos do crime organizado, o qual hoje já costuram algumas tréguas localizadas para sobreviver.         

As UPPs são uma boa nova para os fluminenses. Como muito bem observou o próprio Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, a UPP não vai acabar com o tráfico, porém já está libertando as pessoas das áreas geográficas onde os criminosos impõem seu estrito domínio territorial. Infelizmente, muito de nossos concidadãos ainda se permitirão financiar tal negócio escuso com o seu consumo, permitindo a aquisição de armas de guerra cujo contrabando, considerando a nossa extensão de fronteiras é também muito difícil de coibir. Não há soluções fáceis para problemas tão complexos quanto os da violência gerada pelo tráfico e criminalidade no Rio de Janeiro. De minha parte, apenas acredito que não devêssemos ensejar tantos escrúpulos para poupar os lobos... 

VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, CPP, o autor, é Diretor regional da ABSEG (WWW.abseg.com.br) no Rio de Janeiro. E-mail: vdcsecurity@hotmail.com
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