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sábado, 10 de julho de 2010

Segurança privada – um problema de difícil solução

Em 1977, prestando serviço militar à Marinha de Guerra, fui designado servir na cidade de Belém, no Estado do Pará. Longe da família, casado e com dois filhos, logo os problemas financeiros surgiram, uma vez que não tinha, próximo, os familiares que nos socorriam nos momentos de dificuldade. Aconselhado por companheiros de farda, fui orientado a trabalhar como segurança de uma grande loja de eletrodomésticos, em período noturno, o que, sem dúvida, muito me ajudou no pagamento dos aluguéis e feiras nos finais de semana.
Naquela época, a segurança privada, no Brasil, era regulamentada pelos Decretos-Lei nº 1.034, de 9 de novembro de 1969, e nº 1.103, de 3 de março de 1970, que estabeleciam os procedimentos de segurança para as instituições bancárias que, à época, eram alvo de grupos de esquerda que buscavam, em assaltos a bancos, aporte financeiro para financiar sua luta armada contra o regime militar, vigente à época.
Àqueles decretos foram as primeiras tentativas de normatizar e controlar as atividades de segurança privada, deixando para cada unidade federativa a tarefa de regular o funcionamento das empresas em seus respectivos Estados, fixando ou não formas de treinamento, registro das empresas, armas e algumas delas apontando para a possibilidade de utilização do vigilante na repreensão aos movimentos sociais.
Em 1983, o Governo Federal edita a Lei nº 7.102, reconhecendo e regulamentando a atividade de segurança privada. A referida lei uniformiza, em todo o território nacional, a atividade de segurança privada, com um currículo de formação único, controle e registro nacional das empresas, registro profissional do vigilante no Ministério do Trabalho, além de fixar limites e algumas responsabilidades. O controle e fiscalização, que até então era de responsabilidade das diversas Secretarias de Segurança Pública dos Estados passa a ser atribuição do Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal, especialmente das Delegacias de Controle de Segurança Privada dos respectivos Estados - DELESP.
Transferido daquela cidade para a capital federal, o dinheiro obtido com a atividade de segurança já fazia parte de meu orçamento. Sentia, porém, que se não buscasse uma especialização, em cursos regularizados, continuaria sempre na condição de subemprego e desvalorização financeira. Nessa época a atividade de segurança privada já se estendia à segurança de órgãos públicos e empresas privadas, à segurança bancária, ao transporte de valores e à segurança pessoal de empresários. Busquei, então, uma escola reconhecida, realizando o curso de formação de vigilantes, dentre outros cursos.
Transcorridos mais de 20 anos desde minha formação básica, observo que pouca coisa mudou, em relação à capacitação dos profissionais de segurança, e da fiscalização das empresas de segurança privada.
Atualmente, segundo dados do Departamento de Polícia Federal, o efetivo de vigilantes, com registro legal, é da ordem de 431.600, agrupados em 1.600 empresas legalizadas, efetivo superior ao total das Policiais Militares - 411.900 e 35% e ao das Forças Armadas - 320.400 militares. Além desses, existem ainda um efetivo de 600.000 seguranças ilegais e 4.500 empresas clandestinas. Por ser um negócio altamente lucrativo, a segurança privada não para de crescer e, anualmente, registram-se cerca de 240 novas empresas.
A Portaria nº 387/2006, em seu artigo 1º estabelece que “a atividade de segurança privada deve ser compreendida como um complemento da segurança pública, intra-muros”. Isto significa dizer que a segurança privada deve ser vista como uma parceira da segurança pública e não uma concorrente. Sendo uma atividade complementar, este exército privado, bem treinado, orientado e com apoio dos governos estaduais e municipais, muito contribuiria para a melhoria da segurança pública em nossas cidades. Mas, infelizmente, para a sociedade, não é isso que vem ocorrendo.
1º. Desde a publicação da Lei nº 7.102/1983, a escolaridade mínima para a realização do curso de formação, ou extensão, de vigilantes não foi alterada, permanecendo como requisito mínimo a 4ª série do ensino fundamental. Numa atividade onde é necessário, ao profissional, conhecimentos sobre Direito Constitucional, Código penal, Legislação ambiental, Drogas, Doenças sexualmente transmissíveis, Informática, Radiocomunicações e alarmes, etc., não se concebe um profissional eficiente com tão baixa escolaridade. Também, respaldado no argumento da baixa escolaridade, os empresários da segurança, muitas vezes com apoio de lideranças sindicais, estabelecem pisos salariais insignificante para a categoria, chegando mesmo a fazer diferenciação salarial, como é o caso do Estado do Rio Grande do Norte, entre postos armados e desarmados.
2º. A tolerância, por parte do órgão fiscalizador, na atuação de empresas clandestinas é outro grande problema para a segurança legalizada. Por falta de repressão as empresas ilegais proliferam, normalmente capitaneadas por integrantes da segurança pública, utilizando, na maioria das vezes, pessoal sem a menor qualificação profissional ou acompanhamento social. A mídia tem divulgado, constantemente, abusos, agressões e até mortes por parte de seguranças clandestinos que atuam em condomínios, shoppings, casas de shows, lojas de departamentos, etc.. Apesar da ampla divulgação, e por longo período de tempo, raras são as operações da Polícia Federal de combate a esses ilícitos.
3º. Mas, a maior falha do órgão fiscalizador, situa-se no acompanhamento das atividades dos diversos cursos de formação de vigilantes existentes que, com raríssimas exceções apresentam-se como verdadeiros postos de venda de certificados. Dentre as irregularidades mais comuns, praticadas pelos cursos, no Estado do Rio de Janeiro, podemos citar:
a) O despreparo dos instrutores – Apesar das exigências da Polícia Federal, com relação ao currículo dos instrutores, poucas são as escolas que utilizam os instrutores cadastrados. Mesmo os instrutores cadastrados, muitos não possuem a mínima formação pedagógica ou conhecimento das técnicas de ensino e se apegam, basicamente, na metodologia utilizada na vida militar;
b) Descumprimento das cargas horárias – Ocorrem, normalmente, nos cursos de reciclagem e, principalmente, nos cursos de extensão. Nas reciclagens, realizadas nos finais de semana, a carga horária não chega a 50% do estabelecido na legislação. Cursos de extensão, com 40 ou 50 horas/aula, são ministrados em um final de semana, muitas vezes em pacotes englobando 2 cursos simultâneos;
c) Descumprimento da quantidade de tiros por curso – Pouquíssimos são os centros de formação que cumprem a quantidade de tiros estabelecida na Portaria 387/06, particularmente na realização dos cursos de extensão. Mais perigoso ainda é pensar na possível destinação dada às munições não utilizadas, uma vez que não poderão permanecer em estoque, ou ser utilizadas, já que foram consideradas consumidas;
d) Reciclagem de alunos ausentes – Há ainda o caso de centros de formação que trabalham os cursos de reciclagem, em parceria com empresas de segurança conveniadas, no sistema 2 x 1. Isto significa dizer que a empresa de segurança ao encaminhar um determinado número de vigilantes, para reciclagem, deixa de fora um número igual, que sequer sai da empresa. O centro de formação estabelece um preço aquém da média das escolas concorrentes, com isso ganhando pelo baixo preço e a empresa de segurança ganha por pagar mais barato e ter parte de seu efetivo nos postos, ao invés de estar nas salas de aula.

Conclusão
Transcorridos mais de trinta anos desde minha primeira experiência na segurança privada, e apesar da inegável importância desta atividade para a segurança em nossas cidades,, observo que ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Minha esperança, e a de outros profissionais preocupados com o tema, é que o Projeto de Lei nº 2.198 – Estatuto da Segurança Privada, tramitando desde 2007, na Câmara dos Deputados, traga avanços significativos para a melhoria dos serviços da segurança privada e uma melhor integração com a segurança pública. Uma excelente iniciativa seria a participação da Associação Brasileira de Cursos de Formação de Vigilantes – ABCFAV, na realização de Cursos de Formação de Instrutores de Segurança Privada e, particularmente, no Curso de Formação de Instrutores de Tiro, hoje uma exigência da Polícia Federal e uma carência para aquelas escolas que desejam seguir o estabelecido na Portaria 387/06.
E também, que as fiscalizações nas atividades das empresas de vigilância e cursos de formação possam ter um caráter permanente e inopinado. Verificar ofícios de cursos já realizados e contar munições nos depósitos jamais comprovará à verdade dos fatos. Utilizando-se de questionários direcionados, destinados à vigilantes de empresas e alunos recém cursados se poderia ter uma real visão dos fatos, única forma de obrigar os maus empresários desse ramo de atividade a seguir o estabelecido na legislação.
Por último, cabe também ratificar as dificuldades de efetivo das diversas DELESPs e CVs para a execução de seus serviços internos e de fiscalização nas empresas. Uma coerente sugestão seria que a normatização dessas atividades continuasse a ser responsabilidade do Departamento de Polícia Federal, entretanto, em decorrência dessa carência de efetivo, a fiscalização passasse a responsabilidade das Secretarias de Segurança dos diversos Estados da federação.
Segurança é integração, é trabalho conjunto entre as diversas partes que integram o sistema. Enquanto não houver a participação das diversas escolas, na elaboração dos conteúdos programáticos para os diversos cursos; a participação da ABCFAV na formação dos instrutores; dos sindicatos patronais e laborais, na fiscalização e denúncia das empresas infratoras e, se possível; a criação de Conselhos Municipais e Estaduais de Segurança Privada, a segurança privada continuará a ser carente e ineficaz em suas ações.
O país mudou mas a segurança permanece como em 1983, quando de sua regulamentação. É hora de mudar. Mudar para melhor e por um Brasil mais seguro.
Ad sumus!



Jorge Heleno de Araújo é militar da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais, auditor de segurança patrimonial e presidente da ONG Movimento Nacional pela Segurança nas Cidades.
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