Octavio Iani ( 1926/2004),
considerado um dos fundadores da sociologia no Brasil, tem um belo estudo sobre
tipos e mitos do pensamento brasileiro. Para ele, o Brasil pode ser visto ainda
como um país, uma sociedade nacional, uma nação ou um Estado-não nação em busca
de um conceito. É neste processo de buscar uma cara que florescem as figuras e
as figurações, os mitos e as mitificações de "Lampião", "Padre
Cícero", "Antonio Conselheiro", "Tiradentes",
"Zumbi" e outros, reais e imaginários.
No caso de Tiradentes, nosso
herói maior, a propaganda republicana, na ausência de um retrato feito por
alguém que realmente o tivesse conhecido pessoalmente, o pintou como Cristo.
Aquelas barbas podem ser pura imaginação do retratista, já que naquela época,
como em alguns lugares hoje, preso não podia deixar crescer barba ou cabelo por
causa dos piolhos.
Com Lampião, o processo de
mitificação é interminável. Afinal, ele
é filho famoso de uma terra de
cantadores de feira e de cordelistas, onde a imaginação, e não só talento,
também corre solta. Tanto que nas últimas décadas muitos tentaram promover a transposição da
imagem de Lampião de "facínora"
para uma espécie de versão tupiniquim do "Bandido Giuliano", o
fora da lei que virou herói siciliano na
primeira metade do século XX e que foi
retrato nas telas no clássico de
Francesco Rosi.
Acho ainda que Lampião, como
ocorre com muitos outros personagens da nossa história, está sendo redescoberto
pela ótica do culto da invasão da privacidade, uma das marcas dos tempos
atuais. Em suas covas, mesmo enterrados
há 50, 100, 200 anos, eles não conseguiram escapar de um mundo que se
transformou numa Big Brother. Viraram
"Celebridades", e portanto sujeitos a bisbilhotices, ou fofocas
mesmo, sobre seus afetos, romances e até opção sexual. Talvez seja por isso que
surgem agora questionamentos sobre a
sexualidade "Zumbi" e mais
recentemente de "Lampião" com o livro LAMPIÃO O MATA SETE.
No livro LAMPIÃO CONTRA O
MATA SETE, Archimedes Marques procura desmontar, pedra por pedra, o mito do
Lampião gay. Vale a pena conferir.
Ancelmo Gois (Colunista do Jornal O GLOBO)