Periodicamente tomamos conhecimento, através
da mídia, de posicionamentos de autoridades policiais, particularmente das
Polícias Militares, contrários à atuação das Guardas Municipais, como
integrantes dos Órgãos de Segurança Pública nos diversos municípios
brasileiros.
As declarações do coronel Marlon
Jorge Teza, Presidente da Federação Nacional dos Oficiais da Polícia Militar,
afirmando sua intenção de impetrar ações judiciais contestando a forma de
trabalho dos guardas municipais em cidades de Santa Catarina, não é um fato
novo, haja vista que fatos similares já ocorreram em outros Estados da
Federação.
Mas, por que motivo as Polícias Militares
assumem esse posicionamento contrário à atuação das Guardas? O normal, o
lógico, seria que estivessem comemorando a participação de mais um organismo de
segurança, na luta contra a criminalidade em nossas cidades. Podemos até
imaginar as Guardas Municipais atuando no trânsito, no patrulhamento de áreas e
instalações públicas municipais, atuando na segurança nas escolas municipais,
combatendo o comércio irregular e, até, os crimes de menor potencial ofensivo.
Com isso, as Polícias Militares, com seus efetivos, poderiam se dedicar a
combater o crime organizado, aos crimes de trânsito, realizar blitz, etc.
Imaginemos uma Central de Operações, onde a maioria dos casos atendidos pelo
tel. 190 não são, necessariamente, de caráter policial, e pudesse contar,
também, com a participação de integrantes das Guardas Municipais, que atuariam,
por exemplo, em acidentes de trânsito, brigas de casais ou visinhos, rixas
entre grupos de estudantes, patrulhamento e contenção de torcedores em eventos
esportivos, etc. Que grande contribuição seria!
Desde a elaboração da Carta Magna, de 1988, as
Guardas Municipais vem enfrentando uma luta de vida e morte, todos os dias,
para se manterem vivas, ativas, proativas e eficientes em seus serviços.
Lembro-me, quando integrante da GM-Rio, com a criação dos Grupamentos Especiais
de Transito, nossos guardas eram presos e conduzidos às delegacias de polícias,
por usurpação de função pública. O problema, na época, só foi contornado graças
a brilhante atuação do comandante da GM-Rio, que realmente vestia a camisa da
Guarda Municipal e lutava por seu crescimento, organização e atuação.
Antes de qualquer ataque, os senhores da
segurança pública deveriam atentar para o fato que as Guardas Municipais foram
as primeiras instituições de segurança pública criadas no Brasil, isso
em 31 de março de 1742, e foi essa a única força pública de segurança que
o monarca português, D. João VI, encontrou quando aqui chegou com sua corte, em
07 de março de 1808.
A Polícia Militar comemora sua data de criação
como 13 de maio de 1807 quando, por Decreto Real, Don João VI cria a “Divisão
Militar da Guarda Real de Polícia”, destinada a “velar sobre a tranqüilidade pública, a coibição dos contrabandos, a
extinção de incêndios e outras obrigações tendentes à ordem civil”,
sendo seu primeiro comandante o coronel José Maria Rabelo.
Apesar da importância, para a época, a Guarda
Real de Polícia teve vida curta. Na noite de 13 para 14 de junho de 1831,
influenciada por insurreições recentes em outras corporações, subleva-se a
Guarda Real de Polícia, caindo na desordem e praticando todo o tipo de
desatinos à sociedade local. A situação chega a tal ponto que, em 17 de julho,
após derrotar os sublevados, o padre Diogo Feijó, por decreto, dissolveu a
Guarda Real de Polícia, instituída por Don João VI.
Aproveitando-se da existência, ainda, dos
Guardas Municipais, e conhecendo o trabalho realizado, Diogo Feijó confia a
eles a segurança da cidade, que até então vinham co-existindo pacificamente com
a Guarda Real de Polícia. Acredita-se que esse fato tenha sido o começo da
mágoa, do ciúme, das Polícias Militares com as Guardas Municipais, uma vez que,
quando da sublevação das diversas forças, as Guardas se mantiveram imparciais e
voltadas à manutenção da segurança pública da cidade, ganhando com isso a
simpatia da população e a confiança de Diogo Feijó, que lhes restituiu o poder
e a responsabilidades pela segurança pública.
Em agosto de 1831 foi, efetivamente, criado
o Corpo de Guardas Municipais Permanentes, organizados em um
Estado-Maior, Companhias de Infantaria e duas Companhias de Cavalaria. O novo
corpo recebeu quase toda oficialidade dos quadros dissolvidos e sua
fiscalização foi confiada ao, então, major Luiz Alves de Lima e Silva, mais
tarde Duque de Caxias.
Em janeiro de 1866, após a Guerra do Paraguai,
o Império remodela a estrutura da Guarda Municipal, desdobrando-a em dois
corpos distintos e com duas denominações: Corpo Militar de Polícia Real,
que mais tarde receberia a denominação de Policia Militar, e a Guarda
Urbana, que, no século XX receberia a denominação
de Guardas Civis.
Com o advento do
regime militar, em 1964, as Guardas Civis foram
extintas ou agregadas às Polícias Militares.
Receberam hierarquia e instrução militar,
tornando-se força auxiliar do
Exército, em apoio às ações repressivas do Estado, na
luta contra os grupos de esquerda que atuavam no país. Aquele foi um momento
excepcional na história das forças de segurança. Por imposição, se
tornaram militares e deixaram de ser polícia,
na acepção do termo. O Estado passou
a ter um braço armado eficaz, e permanente, porém a
população ficou sem uma polícia eficiente. E hoje, quarenta e
seis anos após, ainda não temos
uma polícia que atenda, de fato,
às reais necessidades da população.
A Constituição de 1988, apesar de ser
denominada de “Constituição Cidadã”, cometeu alguns senões quando da elaboração
e votação de seus textos. Foi cidadã quando, em seu artigo 144, inciso 8º,
previu a criação de Guardas Municipais, com o objetivo de atender às
necessidades de segurança dos municípios. Pecou, contudo, e muito, quando não
desmilitarizou as Polícias Militares. A estrutura organizacional das PMs ainda
é um resquício do Regime Militar, inadmissível em um estado democrático de
direito e, na época, tão criticado por políticos, hoje no poder. Então, porque
manter essa estrutura?
As Polícias
não são e nem podem ter um caráter militar; sua formação não deve ser de combatente,
e sim comunitária; sua preocupação deve ser com a prevenção e
a defesa; não deve ser organizada sob a forma de quartel, companhia ou pelotão e seus integrantes não podem possuir patentes ou graduações militares. Mesmo que um dia tenham
sido militares, nas instituições são apenas polícias. Claro
que grupos especializados como o BOPE e o CHOQUE, na PM do Rio de Janeiro e COE
e GATE, na polícia de São Paulo, sempre deverão existir, para situações especiais.
Contudo, que se mude o modelo e se tire o camuflado do uniforme do
dia-a-dia; que se troque
o coturno pelo sapato, que se troque
as cores das viaturas operacionais, de modo a demonstrar à comunidade que a
polícia não é mais aquela opressora do período militar.
Policiamento de verdade
deve ser realizado com formação adequada, treinamento
periódico, atividade de inteligência, planejamento, tecnologia,
fiscalização e entrosamento com a comunidade, se possível através da
participação dos Conselhos Comunitários, que discutem,
criticam, sugerem e auxiliam as ações policiais.
Embora os senhores da segurança pública se
neguem a admitir, as Guardas Municipais são o
melhor modelo local de polícia;
aquela que de fato atende à população. Por corporativismo,
as Polícias Militares se negam
a aceitar a idéia das Guardas Municipais como uma força policial, principalmente sob a alegação do despreparo profissional,
do conflito de competências e da inexistência de
uma justiça municipal. Esse corporativismo, além de prejudicar a
melhoria dos sistemas de segurança pública,
é também contrário aos interesses do próprio município, principalmente diante da flagrante inoperância
do atual sistema.
O objetivo das Guardas Municipais não é reduzir o poder da polícia. Muito menos substituir a
PM pela Guarda Municipal, mas sim realizar um trabalho de forma articulada, que permita
a cada órgão de segurança o melhor desenvolvimento de suas habilidades.
A criminalidade e a violência,
já se configuram em um verdadeiro estado de
guerra civil. Não mais se restringem
às grandes e médias cidades brasileiras,
atingindo até mesmo pequenas cidades do interior, com
seus irrisórios efetivos de policiais militares. Fatos como esses
exigem, do poder público,
a adoção de novos instrumentos que lhe permita
uma ação mais eficaz na defesa da coletividade.
Guarda municipal – amigo, aliado e protetor.
Jorge Heleno de Araújo é militar da reserva do
Corpo de Fuzileiros Navais, auditor de segurança, pedagogo, e foi Gerente de
Planejamento de Ensino da GM-Rio.